Diante da constante e frequente alta dos combustíveis, em 2022, desde a publicação das Leis Complementares 192 e 194, foi determinada a redução a 0 das contribuições sociais de PIS, COFINS e da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) incidentes sobre operações que envolvam gasolina. Tudo isso, vigente apenas no citado ano.
Logo, foi possível observar os impactos da medida. Foi possível observar inclusive, depois de um longo lapso temporal o fenômeno da deflação. Destaca-se que em 2022, a inflação brasileira chegava perto de dois dígitos e a alta nos combustíveis vinha impactando os preços de forma generalizada, além de influenciar, na época, na disputa eleitoral em meio às eleições de outubro daquele ano. Todos esses fatores levaram o então governo a optar por zerar os impostos federais e, junto a lideranças do Congresso, aprovar a queda no ICMS estadual.
Na semana em que a decisão foi tomada, os impostos federais respondiam por cerca de R$ 0,69 do litro de gasolina. Já o ICMS na mesma semana respondia por R$ 1,75 do preço da gasolina; hoje, o valor está em R$ 0,92, isto é, uma redução na casa dos R$ 0,80. Nem toda essa queda diz respeito às desonerações, uma vez que, de lá para cá, o preço do barril de petróleo no exterior também caiu com a equalização dos efeitos da guerra (o barril Brent chegou a bater 130 dólares, mas hoje está na casa dos 80 dólares).
As legislações também estabeleceram que os impostos incidentes na importação de óleo diesel, biodiesel e de gás liquefeito de petróleo, derivado de petróleo e de gás natural, e de querosene de aviação também ficam zeradas. Inclusive, ante a atecnia legislativa causada pela “urgência” política que demandava a edição das Lei, abriu-se a possibilidade de revendedores, ao contrario do que previa a legislação anterior e a jurisprudência dominante do STJ, tomarem créditos de PIS/COFINS sobre o combustível adquirido para revenda. Há diversos postos de combustíveis discutindo essa questão judicialmente.
Porém, o cerne da questão, infelizmente, não são os pontos positivos constantes nas premissas acima, que um tanto agradam os contribuintes brasileiros, já conformados com a alta carga tributária e complexo sistema em vigência, principalmente pela questão do não retorno; já que a cada governo, somente é possível verificar novas deficiências ou mesmo ausências, daquilo que o Estado deveria fornecer, diga-se, com eficiência: segurança, educação e saúde.
E é neste cenário que assumiu um novo governo em 2023. Com um assunto extremamente delicado do ponto de vista popular. De um lado, contribuintes um tanto quanto incentivados e satisfeitos com a desoneração dos tributos. Sejamos honestos, ninguém possui apreço pelo pagamento de tributos. De outro, a significativa perda de arrecadação, que somam-se ao elevado gasto público durante a recente pandemia de Coronavírus e a necessidade de se cumprir promessas de campanha eleitoral, que elevam um tanto gastos sociais com programas governamentais de distribuição de renda.
De imediato, visando não desgastar sua popularidade logo no início e verdadeiramente, ganhar tempo para encontrar uma solução equilibrada, o governo que assumiu em 2023, editou a medida provisória (MP) 1157/2023, que estendeu por mais 60 dias a desoneração fiscal, ou seja, até 28 de fevereiro de 2023
Porém, este prazo também se esgotou. E após intensos debates entre a ala política (que deseja manter a popularidade e consequentemente a desoneração) e a ala econômica do atual governo (que deseja reonerar os combustíveis para uma maior arrecadação), firmou-se uma solução parcial, tanto do ponto de vista dos contribuintes, quanto em relação ao Poder Público.
O governo em exercício anunciou então, no último dia de prazo da desoneração (28/02), a volta da incidência parcial dos impostos sobre a gasolina e etanol, tudo isso via Medida Provisória. Detalhe: diga-se, parcial pois, os tributos não estão sendo retomados no valor integral que tinham anteriormente à desoneração.
Assim, diante da decisão definitiva do governo, cabe aos contribuintes, calcularem o quanto a reoneração impactará no seu bolso. Para cada litro de gasolina, o aumento é de R$0,47. Para cada litro de etanol, R$0,02.
Segundo cálculos realizados pela Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), o preço da gasolina nos postos deve subir cerca de R$ 0,25 por litro.
Isso porque, apesar de uma elevação de R$ 0,47 nos impostos federais, a Petrobras anunciou uma redução no valor do combustível vendido às distribuidoras. Essa redução é de R$ 0,13.
Segundo o Ministro da Fazenda, a reoneração dos combustíveis tem um "objetivo muito claro" de "recompor o orçamento público". A equipe econômica quer passar uma imagem de responsabilidade fiscal. O ministro argumentou que a desoneração, aplicada pelo governo anterior, foi uma medida eleitoreira.
Não obstante ao argumento oficial lançado pela pasta que cuida da economia do país, há tantos outros, repletos de vieses políticos, que respaldam tanto a reoneração, quanto a manutenção da desoneração.
Até mesmo porque, tornou-se praxe no Brasil entre os cidadãos e entre a imprensa, principalmente por conta da polarização política, aprovar e desaprovar fielmente e independente do impacto individual, toda e qualquer medida que o partido político, ou mesmo, o próprio político (pessoa física) de sua preferência propor ou acatar; deixando de lado o debate técnico e uma avaliação científica do atual cenário econômico e fiscal do país.
A reoneração, ou seja, a volta dos impostos, é um tanto quanto defendida pelos eleitores e adeptos ao governo que assumiu em 2023. Dizem que a base do transporte nacional é rodoviário, sendo os combustíveis portanto, produtos bastante consumidos pelas classes mais ricas da população. Outro argumento é aquele ambiental, já que um maior preço dos combustíveis, levaria à um menor consumo dos mesmos e tal cenário, consequentemente incentivaria a produção e utilização de combustíveis sustentáveis e renováveis. Por fim, na linha do argumento oficial, muitos desejam contribuir para o ajuste fiscal e recomposição da arrecadação; acham importante e necessário o pagamento de tributos sobre os combustíveis.
Já a manutenção da desoneração, claro, é defendida com unhas e dentes pela oposição, ou seja, pela maioria dos eleitores do governo anterior. Afirmam que a manutenção das alíquotas em 0 dos impostos federais e o estabelecimento de um teto para cobrança do ICMS é justamente uma medida de controle inflacionário, já que a premissa é mesma do lado oposto, ou seja, a economia ficaria mais forte e incentivada se considerado que a base do transporte nacional é rodoviário. Destacam diante deste cenário, que a desoneração, manteria a sensação de controle do aumento de preços, já que o combustível seria item básico e essencial da atividade econômica.
Definitivamente não há certo ou errado. Na maioria dos dilemas tributários, todos os argumentos parecem válidos, já que sempre, a medida tributária ideal é aquela que aumente seu tributo e diminua o meu; sendo impossível a concessão de subsídios ou corte de algum, sem que disso decorra em uma consequência de aumento ou diminuição de carga tributária de outro setor.
Assim, ante a falta de consenso, o aspecto político encontra a oportunidade ideal para emergir e se fortalecer. Sempre revestida com algum embasamento técnico e enviesado, é necessário conformar-se que a decisão, ao final será sempre política e de certo não agradará a população como um todo.
Qualquer que fosse a medida tomada Ministério da Fazenda, causaria ruídos. Como já mencionamos e longe de qualquer ideologia política, o ideal seria uma avaliação técnica-tributária e econômica do que realmente seria mais “compensatório”, principalmente a longo prazo. Até mesmo porque, segundo a literatura econômica clássica, não é novidade que medidas populares e imediatistas levam consequentemente a economia de um país ao abismo depois de certo período. Vide crise econômica vivenciada pelo Brasil em 2015.
Reonerar ou manter a desoneração, também prova reação no Banco Central, instituição recentemente independente do Governo e que, desde o início do mandado do atual, vem sofrendo duras críticas pela política monetária adotada e taxa de juros elevada. No caso do PIS e COFINS, segurar a inflação que poderia ser causada pelo aumento dos tributos sobre os combustíveis, indicaria ao Banco Central que a inflação não aumentou; de outro lado, propiciar o aumento de arrecadação tributária indicaria ao BC sinais de controle e contingenciamento fiscal.
Como vimos, a Fazenda decidiu tomar o segundo caminho, decisão esta facilitada principalmente pela redução do preço internacional do petróleo, que fez os combustíveis, na contramão da reoneração, recuassem seu preço em R$0,13. Assim, dá a entender, principalmente ao regulador monetário (Banco Central) que o governo, apesar do compromisso social, tem a intenção de manter o controle e saúde fiscal do país, principalmente porque, para o Banco Central, a questão da política de preços dos combustíveis é a principal preocupação para redução da taxa Selic.
Do ponto de vista do governamental, trata-se de verdadeira vitória. A Fazenda calcula que haverá aplicação dos tributos de tal forma a garantir arrecadação em torno de R$ 28,8 bilhões.
Porém o gosto dessa vitória não parece tão doce assim.
Primeiro pela instituição do imposto sobre exportações de petróleo bruto, prática um tanto quanto incomum no Brasil e em tantos outros países do mundo, visando a recomposição do caixa do governo em exercício. Segundo analistas, tal medida pode reduzir a competitividade da cadeia produtiva de óleo e gás do Brasil, afetar a credibilidade do país em relação à estabilidade das regras nos negócios, além de provocar uma reação 'feroz' das empresas produtoras no Congresso para que o tributo não seja aprovado.
Segundo: o mercado financeiro - frequentemente adjetivado como “sensível” pelo atual governo - ainda procura uma atitude ou medida que aumente sua confiança no Brasil, já que é frequente também a proposição de medidas econômicas não convencionais visando um resultado imediatista para a economia nacional.
Apesar de não ser unânime, de fato, há alguma argumentação plausível por detrás da decisão de reoneração dos combustíveis pela Fazenda, que tenta utilizar de fundamentações técnicas (ainda que enviesadas) para justificar suas medidas, mesmo que impopulares. Tal modo de se fazer política não chateia, nem garante a confiança integral do mercado no governo, mas pelo menos sinaliza que a técnica e a ciência econômica estão presentes nos debates da equipe.
Falta apenas combinar com a ala política do atual governo, que frequentemente, cogita a aplicação de medidas e ações heterodoxas que buscam resultados imediatistas e que vão na contramão da literatura econômica clássica e que poderia culminar em um abismo econômico depois de certo período.