Há pouco tempo, informamos sobre a retomada do julgamento onde o STF decidiria sobre a reversão de decisões judiciais definitivas em matéria tributária que favoreciam os contribuintes, quando da mudança de jurisprudência na Corte.
Os votos foram proferidos e a maioria já tem um consenso. É permitida sim a quebra automática da coisa julgada, e os órgãos fiscais, não necessitam mais interpor ação rescisória, no prazo de dois anos, para reverter uma decisão judicial favorável ao contribuinte, se posteriormente, aquele entendimento pretérito, for alterado por nova jurisprudência em sentido contrário.
Atualmente, para se ter a quebra de uma coisa julgada em matéria tributária, como também ocorre na maioria dos ramos do direito, é necessário que a Fazenda Pública interponha uma ação rescisória, único instrumento disponível no Código de Processo Civil capaz de reverter uma decisão judicial transitada em julgado.
Porém, na prática, o instrumento da ação rescisória para o Fisco é quase inócuo e inutilizável, já que a ação deve ser proposta no prazo máximo de 2 (dois) anos após o transito em julgado da decisão que pretende-se rescindir, e dificilmente, neste prazo, há uma mudança de entendimento por parte da Corte Superior.
Sem dúvidas, trata-se de um dos temas mais relevantes em matéria tributária, com discussão extremamente ampla, principalmente se considerarmos a plena vigência dos princípios constitucionais da segurança jurídica e da coisa julgada.
Já se pode afirmar inclusive, que contribuintes anteriormente favorecidos por decisões judiciais que impediam o pagamento da CSLL e/ou da contribuição patronal sobre o terço de férias, deverão voltar a arcar com esses tributos, já que trata-se de dois exemplos de matérias que já sofreram mudança de entendimento na Suprema Corte.
Não obstante à manchete, que em um primeiro momento e com razão, espanta os contribuintes; a principal discussão em jogo envolve a questão temporal, ou seja, a partir de quando o entendimento que vem sendo firmado na Corte poderia ser aplicado. Teria efeitos ex nunc ou ex tunc? E mais, ocorrendo uma mudança de entendimento sobre o pagamento ou incidência de determinado tributo, poderia a Fazenda Pública retroagir para buscar o pagamento em atraso dos últimos 5 anos do contribuinte, que por sua vez estava respaldado por decisão judicial em sentido contrário?
Até o momento, a maioria (7) que votou pela quebra automática das decisões, individualmente divergiram quanto aos questionamentos anteriores., ficando ainda pendente as subquestões que mais interessam os contribuintes.
Primeiro, necessário deixar claro que a quebra automática de decisões anteriores, somente se concretizaria se o STF se colocar a apreciar a matéria posteriormente por meio de repercussão geral ou por meio de ação direta de constitucionalidade.
Adiante, sobre o momento exato da quebra da decisão favorável anterior, um dos posicionamentos que tem ganhado força na Corte e que dá um afago nos contribuintes, é de que uma decisão que altere a jurisprudência anterior da Corte, se assemelharia à criação de um novo tributo. Por esse entendimento, entendemos, portanto, que a Fazenda Pública não poderia – no limite da prescrição – cobrar os tributos não pagos pelo contribuinte que não detinha essa obrigação (por força de decisão transitada em julgado); bem como, a cobrança futura, deveria obedecer, a depender da espécie do tributo, os princípios da anterioridade nonagesimal ou anual.
Há outro entendimento minoritário na Corte de que a Fazenda Pública não poderia cobrar os valores passados, após a mudança de entendimento na Corte, porém, não necessitaria a observação do período nonagesimal ou anual.
Porém o maior temor dos contribuintes é quanto à modulação de efeitos da decisão que ao que tudo indica, será concluída nesta sexta-feira. Há a preocupação de que não haja modulação de efeitos, ou seja, que o entendimento de reversão das decisões não possua eficácia apenas a partir de sua publicação.
Caso isso ocorra, casos onde já houve a mudança de jurisprudência, poderiam ser reabertos e no limite prescricional, poderia a Fazenda Pública retroagir 5 (cinco) anos para cobrar dos contribuintes tributos não recolhidos. Um exemplo emblemático é o da CSLL, desde sua criação e até 2007, diversos contribuintes questionaram judicialmente a constitucionalidade do tributo, e conseguiram demonstrar para as Cortes Superiores, que o mesmo não poderia ser cobrado.
Em 2007, o STF analisou novamente o tema e alterando sua jurisprudência, definiu que a Contribuição sobre o Lucro Líquido era constitucional, entendimento este que vigora até o momento, já que as empresas ficam obrigadas ao recolhimento desse tributo na periodicidade demandada pelo regime tributário a qual está inserida.
Portanto, fica o questionamento: se no caso específico, a mudança de jurisprudência ocorreu em 2007, ainda que respeitadas o princípio da anterioridade anual, poderia a Fazenda Pública retroagir 5 (cinco) anos para cobrar do contribuinte hoje, os valores não recolhidos no passado, por autorização de decisão judicial transitada em julgado?
De fato, tal posicionamento, não obstante à “manchete” que já flerta de forma evidente com a insegurança jurídica, pode gerar verdadeira instabilidade para empresas que se colocam a discutir os abusos do Fisco na esfera judicial. Ou seja, estaria o próprio Poder Judiciário deslegitimando suas decisões anteriores e criando um cenário de extrafiscalidade na Suprema Corte, que teria passe livre para, quando bem entender, de acordo com a “necessidade política do País”, ou melhor, de acordo com os “novos entendimentos da Corte”.
A verdade é que há tempos - não apenas em matéria tributária - a segurança jurídica no país é ignorada e por vezes corrompida pelos poderes constituídos. Desta vez, pelo próprio Judiciário, que em tese seria o responsável por justamente garantir esse princípio, um tanto quanto essencial para estabilidade do estado democrático de direto e para proteger a confiança de todos aqueles submetidos à CRFB/88, que até então, acreditavam que uma decisão judicial não poderia ser quebrada automaticamente.
Ao final, ainda que com uma maioria formada para estabelecer um entendimento desfavorável ao contribuinte, ainda, com o alto poder de causar uma enorme insegurança jurídica, por sorte, na última terça feira (22), o Min Edson Fachin, antes de proferir seu voto no plenário virtual, solicitou “destaque” nos autos, ou seja, o julgamento será levado ao plenário presencial, sendo desconsiderados todos os votos já proferidos.
Ainda sem data para o julgamento em plenário presencial, o pedido de destaque realizado pelo Ministro acende uma pequena esperança para os contribuintes. Apesar da remota expectativa de que os ministros, que já proferiram seus votos anteriormente, mudem seus entendimentos, os contribuintes ganham um fôlego a mais para execução de planejamentos e se preparem para um possível cenário de negócios, onde a segurança jurídica é praticamente inexistente.
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